top of page
Buscar
  • Foto do escritorCidade Radio

UTILIZEMO-NOS DE NOSSAS FALTAS PARA CRESCER NA CONFIANÇA EM DEUS


1. Resolve-se o problema do pecado com a divina misericórdia. - Se a nossa abjeção merece que a estimemos porque nos obriga a prestar homenagem à verdade e nos proporciona a imitação das humilhações a que se submeteu o Verbo Encarnado, ela nos deverá ser ainda mais querida, quando a considerarmos em suas relações com a infinita misericórdia de Deus.


No capítulo terceiro da primeira parte deste livro já vimos - e São Francisco de Sales no-lo diz e repete insistentemente - que as nossas imperfeições não devem nunca desanimar-nos, e que a dor de as haver cometido deve ser sempre acompanhada duma invencível confiança na bondade divina. As considerações que vamos apresentar demonstrarão que os nossos pecados e imperfeições, bem longe de diminuírem esta confiança, são um dos seus mais fecundos elementos.


Sobretudo neste ponto são tão numerosos e claros os textos do nosso Santo, que dispensam todos os comentários. Limitar-nos-emos por isso a copiá-los fielmente. Antes, porém, não será inútil buscar a outras fontes algumas reflexões, onde veremos a síntese desta consoladora doutrina e as suas provas teológicas.


Ouçamos em primeiro lugar o eminente autor contemporâneo, que por diversas vezes temos citado, o qual, em uma esplêndida página, toda inspirada na doutrina de S. Tomás, expõe e desenvolve proficientemente o princípio fundamental desta nova feição da arte de

utilizar as próprias imperfeições.


"Deus é amor, diz Monsenhor Gay, citando as palavras de S. João (1 Jo 4, 8). Deus ama, Deus nos ama a nós; e ama-nos porque ele é o amor! Existir, amar, e amar-nos desde que existimos é para Ele uma e a mesma coisa, uma e a mesma necessidade. Não será, pois, a esperança um dever que a todos se impõe? Por mais extraordinário que seja a nossa esperança, poderá nela haver excesso? E será possível que abriguemos ainda uma centelha de desconfiança, e poderá permanecer ainda desculpável a desconfiança?


Dir-nos-ão: o pecado existe. Infelizmente é essa a verdade! O pecado segue-nos, e em qualquer parte que se nos defronte, estabelece um problema, acarreta uma complicação, levanta um obstáculo; problema para nós, complicação em nós, obstáculo diante de nós. Mas para Deus poderão existir problemas? Poderemos embaraçar seus caminhos e opor barreiras aos seus desígnios? Ele se detém se assim lhe apraz, mas unicamente porque lhe apraz, e passa por toda parte por onde lhe agrada passar. O pecado chega a Deus porque é uma ofensa à sua divina Majestade, mas nunca poderá alterar os seus supremos atributos. É certo que modifica os seus atos, mas nunca modificaria a sua essência nem mesmo a sua disposição primordial em relação a nós, isto é, o amor que Ele nos consagra.


Em uma palavra: assim como em face do nada a sua bondade se transforma em amor, assina perante o pecado e o seu amor se muda em misericórdia. Bem assente este princípio, resta todavia uma condição: - que o pecador confie. E quem haverá que mais títulos tenha para

confiar em Deus, do que o pecador?


É certo que a santidade divina tem tal horror ao pecado que obriga a sua justiça a puni-lo com horríveis castigos; mas é precisamente por isso que a misericórdia divina é incompativelmente mais compassiva com essa desgraça do que com todas as outras que

possam suceder-nos.


Forçoso é, pois, concluir que o pecado é verdadeiramente o mal supremo, a miséria absoluta, se o considerarmos sob o ponto de vista do castigo que lhe é dado: - a perda de Deus! E não será para a maior miséria que deve convergir a maior compaixão? Eis a razão por que mais para este ponto do que para todos os outros a misericórdia de Deus se abre, a fim de que o pecador se arrependa, se lhe confie e por tal forma obtenha o perdão e se salve. Daí temos de concluir que o próprio ardor da indignação é em Deus uma nova e mais fecunda fonte de piedade e bondade, tornando-se como que uma nova base fundamental da nossa esperança".


Provado dum modo tão perentório que a misericórdia não é outra coisa mais que a bondade, ou, então, a própria essência de Deus nas relações com a miséria da sua criatura, não ficará igualmente reconhecido que cada uma das nossas quedas pode tornar-se, se assim o quisermos, uma nova ocasião de manifestação e glorificação desse atributo divino?... E assim como os lábios do cordeiro aliviam sua mãe, sugando o leite salutífero que lhe enche as entranhas, assim também os nossos pecados e imperfeições, que a confiança e o arrependimento aproximam do coração de Deus, não lhe proporcionarão a verdadeira

alegria de derramar mais e mais eflúvios dessa misericórdia que superabunda em seu seio maternal?


Ainda mais: a misericórdia só pode exercer-se sobre a miséria, e que miséria haverá mais aflitiva do que a miséria do pecado? Que poderá haver mais digno de compaixão para uma compaixão infinita?

Este peso dos nossos pecados que nos esmaga e nos faz vítimas da ira divina, só nós podemos fazê-lo valer diante de Deus, proporcionando-lhe esta ocasião de manifestar um atributo que se nos afigura ser-lhe mais querido que o da justiça - o atributo da bondade e do amor.

Nada mais temos a fazer do que dirigir-nos ao seu coração e clamar-lhe com David: -"vós me perdoareis, Senhor, vós esquecereis os meus pecados, para glorificar a mais estremecida das vossas perfeições - a misericórdia; e tanto mais glorificada será ela quanto mais numerosos forem os crimes que em mim tenhais de esquecer; a própria multidão dos meus pecados me é motivo de esperar o perdão deles" (SI 24, 7, 11).


Não é porventura Deus que nos ensina a não nos deixarmos nunca vencer pelo mal, mas sim a vencer o mal pelo bem (Rom 12, 21), a nunca tomar o mal pelo mal, nem a maldição pela maldição (1 Ped 3,9), mas a encher de benefícios os nossos inimigos e acumular deste modo carvões ardentes sobre as suas cabeças? (Rom 12, 20).


Ora, o discípulo não é mais do que o mestre nem o servo está acima do Senhor (Mt 10, 24). Se, pois, vemos discípulos deste divino Mestre praticar tão perfeitamente esta lição, que não só se mostram cheios de benevolência e mansidão para com os seus iníquos perseguidores e cruéis tiranos, mas que ainda lhes retribuem o bem pelo mal até ao extremo de dar a vida para os salvar, que poderemos dizer do Mestre divino de quem estas almas justas receberam a doutrina tão sublime que observam?


A caridade de todos os discípulos reunidos, posta em paralelo com a caridade de Jesus Cristo, não atinge às proporções duma dita d'água comparada com o oceano. Logo, se uma centelha de caridade, dispensada pelos justos, tantos prodígios tem operado, que podemos

esperar do incêndio imenso e infinito da suprema caridade de Deus?


"Ah! exclama S. João Crisóstomo, Jesus disse-nos: - Se vós amais aos que vos amam, que recompensa podeis esperar? Não fazem o mesmo os pagãos? (Mt 5, 47). E nós dizemos: -"se Deus não escutasse nem socorresse senão aos justos, seus amigos, não é verdade que seria incompleta a sua bondade?"


2. Por misericordiosa indústria separa Deus o pecador do pecado, aniquilando a este e salvando aquele. - A santidade infinita de Deus alia-se à sua infinita bondade para incitá-la perseguir com o seu ódio o pecado, e a perseguir mais ainda com a sua misericórdia o pecador.


"Deus, diz o P. Ségneri, tem tal horror ao pecado que para o arrancar dos corações não somente se humilhou até à morte, quando se revestiu da nossa carne mortal, mas ainda agora, glorioso no céu, se humilha até fazer-se suplicante" (Jer 15). "E para que, observar-me-eis? Tendes visto um caçador no momento em que vai desfechar sobre a sua presa? Reparastes como ele evita o menor ruído, como se abaixa e até, se for preciso, como rasteja pela terra? E para quê? Para matar a caça a que aponta".


Pois assim procede Nosso Senhor: tal é o objeto de suas súplicas, da sua paciência, da sua silenciosa e cuidadosa expectativa, enquanto nós O ofendemos. Ele tem em mira um só fim: - exterminar o pecado, e exterminá-lo completamente.


É certo que, se toda alma gravemente culpada fosse precipitada em flagrante no inferno, Nosso Senhor submergiria sempre o pecador, mas nunca exterminaria o pecado; - pelo contrário, o pecado eternizar-se-ia na duração do seu próprio castigo. Mas é justamente

porque o ódio divino se dirige diretamente ao pecado e só indiretamente ao pecador, que Deus usa de tantas e tão generosas indústrias; que Ele se humilha com tão pressurosos testemunhos de amor, a fim de separar o pecador do pecado e de aniquilar a este salvando aquele, não se decidindo a perder o culpado senão quando, pela obstinação de sua livre vontade em continuar nos seus pecados, ele permite a Deus que extinga o pecado no pecador e o força por esta forma a extinguir o pecador no pecado.


Tal é o motivo que anima a infinita bondade de Deus a esperar-nos, a convidar-nos à penitência e a acolher-nos. É por isso que David, conhecendo bem esta disposição do Senhor, se animava de maneira extraordinária e exclamava: -"Senhor, vós me perdoareis o meu pecado, porque ele é grande" (SI 24, 11).


Um espírito ignorante desta economia divina julgaria que o profeta se enganava, que deveria chamar grande à misericórdia divina e não à sua falta, e que, pelo contrário, devia desculpar esta, atenuando-a por todas as considerações ao seu alcance, a fim de pedir

a remissão com mais ousadia e obtê-la com mais prontidão.


David conhecia melhor o coração de Deus; ele sabia que a enormidade do pecado era para a bondade divina mais um motivo para o querer exterminar, e era a essa mesma bondade que se dirigia suplicante, clamando: -"enorme é o meu pecado" a fim de a decidir a purificar inteiramente a sua alma.


É seguindo a mesma norma que o vinhateiro, que vê a sua vinha destruída por um javali, descreve perante o caçador, sob as cores mais horríveis, a ferocidade e a força desta fera, a fim de mais o animar a persegui-lo e matá-lo.


E se David já então usava desta linguagem para com o Deus dos exércitos, com que duplicados motivos de confiança não a dirigiremos nós ao Verbo Encarnado para salvar os pecadores, àquele que quis tomar a nossa natureza (Heb 2, 17), precisamente para dar um desafogo mais largo, uma expansão mais generosa à sua misericórdia!


Indo além, Bossuet não hesita em dizer: "Jesus Cristo, como filho de Deus, sendo a santidade por essência, conquanto lhe seja agradável ver a seus pés um pecador que se converte, ama, todavia, com um amor mais forte a inocência que nunca se desmentiu... Quando, porém, Ele se fez nosso Salvador, o seu Coração divino tomou por amor de nós outros sentimentos. Como Deus, dá a preferência aos inocentes, - mas regozijai-vos, cristãos! como Salvador misericordioso, Ele veio para procurar os culpados; e não veio senão para eles, porque é para os pecadores que Ele foi enviado". "Ele é o Deus dos pecadores, continua a Madre Chappuis. Lidas as vezes que lhe oferecemos uma falta a reparar, damos-lhe o título de Salvador".


3. Os doentes, não os sãos, necessitam do médico. - Disse um dia S. Gertrudes: -"Quando Jesus Cristo não encontra almas tão virgens que possa desposar, permite que a doença as avassale para poder ir a elas, como médico". A alegria e a honra que dá ao médico o doente que lhe confia com as suas chagas todos os cuidados da sua cura, dá-a o

pecador ao divino Samaritano apresentando-lhe as suas faltas para Ele as curar.


Se o Deus foi ofendido pela culpa, o Salvador é glorificado pelo perdão que a destrói. Se te reconheces, pois, doente, não tenhas o menor receio de abeirar-te de tão bom médico; pelo contrário, vai a Ele com tanto mais confiança quanto é certo que é justamente para livrar-te da doença do pecado. Eis o que diz o Senhor, falando de suas ovelhas:


"Irei procurar as que se tinham perdido, e farei voltar as que andavam desgarradas, e ligarei os membros às que tinham algum quebrado, e fortalecerei as que estavam fracas" (Ez 34, 16), e ainda: "O médico é necessário aos enfermos e não àqueles que têm saúde"(Mt 9,12).


Ó loucura funesta dos pecadores que encontram motivos para fugir do médico justamente no que deveria dar-lhes maior confiança para irem a ele! Insensato quem receia encontrar um adversário naquele que veio para curar!


"O ímpio foge sem que ninguém o persiga" (Prov 28,1). E se é estranho que se fuja sem perseguição, quanto mais estranho é ainda que o ímpio fuja, quando não somente ninguém o persegue, mas até a bondade divina o chama insistentemente, correndo para junto dele a oferecer-lhe a sua misericórdia, a apresentar-lhe um antídoto para os seus males, prometendo e jurando-lhe que lhe dará tudo o que ele pedir para a sua eterna salvação.


4. Revelações do Coração de Jesus. - E que suave, deslumbrante luz irradiam sobre estes pensamentos as aparições e revelações do Coração de Jesus!


O nosso Santíssimo Salvador é a bondade personificada, a Redenção copiosa, o perdão de Deus, o eterno gerador de todas as ressurreições. "Assiste-lhe eternamente o poder de salvar os que por seu intermédio se chegarem a Deus, vivendo sempre para interceder

por eles" (Heb 7, 25).


Disse excelentemente um santo religioso: "Depois da vinda de Nosso Senhor, a confiança deve ser a virtude própria dos miseráveis pecadores". Mas não é certo que, desde que o Sagrado Coração de Jesus se manifestou ao mundo, esta confiança pode elevar-se até aos limites da audácia? Não foi este coração divino que, respondendo ao golpe da lança de Longino, verteu sobre ele não somente o perdão, mas a santidade e a graça do martírio? Não é este coração que alimenta os pecadores do sangue que eles fazem correr, como o pelicano alimenta os seus filhos das entranhas que eles lhe dilaceram, e que não quis ser

ferido nem aberto, segundo S. Vicente Ferrer, senão para patentear aos culpados a fonte inesgotável do perdão? Não é, enfim, este coração que do fundo do seu tabernáculo a todos clama: "Vinde a mim vós todos que estais acabrunhados e eu vos aliviarei?" (Mt 11,28). Não está ele devorado duma sede inexpugnável de absolver, de curar? E não é saciar

esta sede o levar-lhe culpas para perdoar?


E para notar que as almas mais intimamente iniciadas nos segredos suavíssimos do Coração de Jesus são justamente as que se tornam apostolas mais zelosas da confiança depois do pecado e da arte de utilizar-se das suas faltas. Lembrando-nos aqui espontaneamente da

Irmã Benigna Consolata, a "pequena secretária" de Jesus, escolhida por Ele para pregar às almas os segredos de sua misericórdia, enchendo de uma florescência insólita de milagres todas as nações, suscitando por toda parte um despontar prodigioso de confiança.


Dizia-lhe Jesus: "É excessivamente acanhada a ideia que fazem os homens da bondade de Deus, da sua misericórdia, do seu amor pelas suas criaturas. Medem a Deus pelas criaturas, e Deus não tem limites; a sua bondade não conhece tão pouco limites. Oh! poder valer-se de Deus e deixar de o fazer!... por quê? Porque o mundo não O conhece.

Sou um tesouro infinito posto pelo seu Pai à disposição de todos... Os que me repelem e menosprezam reconhecerão mais tarde a sua desventura, mas só na eternidade. Amo aos homens, amo-os ternamente como meus irmãos que eles são; não obstante haver uma

distância infinita entre eles e mim, não faço conta disso"...


"Não podes avaliar o prazer que sinto em cumprir a minha missão de Salvador; é esta a minha maior consolação e executo as minhas obras-primas mais belas com as almas que arranquei do mais profundo abismo, que arranquei do lodaçal. Os pecados, uma vez perdoados, tornam-se para a alma fontes de graças, porque são para ela fontes perenes da humildade"....


"Arte de Aproveitar-se das Próprias Faltas, Segundo São Francisco de Sales" da autoria de Pe. José Tissot












54 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
Post: Blog2_Post
bottom of page